24 de julho de 2023

"O football mata a graça da mulher" e outros despautérios

História recente do futebol feminino: prisões, cabeças raspadas e ursos de tutu


Nas redes sociais, tem chovido manifestações contrárias ao futebol feminino. As mais moderadas apelam ao desdém (“Não vou assistir aos jogos da Copa feminina”), mas algumas preferem a crítica, o deboche e mesmo a agressão. Muitos justificam seu desgosto com comparações indevidas com o futebol de homens, afirmando que as mulheres perderiam mesmo para times de adolescentes e que são incapazes de se igualar em técnica aos homens. 

 Curiosamente, quando recebem a informação de que Marta é pessoa que mais marcou gols na história das Copas do Mundo (incluindo a masculina), e que foi eleita 6 vezes a melhor jogadora do mundo (Neymar chegou no máximo ao 3º lugar), dizem que não se pode comparar o futebol feminino e o masculino. Esses beócios decerto pensam que estão exercitando alguma forma de rebeldia ao, confortavelmente dos seus sofás de casa, recusarem-se a assistir a um jogo na TV. 

 A questão é que toda e qualquer crítica ao futebol feminino brasileiro hoje erra ao não levar em conta o histórico dessa modalidade no Brasil. Depois de um começo precário, o futebol praticado por mulheres foi proibido por lei por quase 40 anos. Veja bem, não é que esse esporte carecesse de regulamentação ou não tivesse uma entidade organizada. Era CONTRA A LEI mulheres jogarem futebol.






 O artigo 54 do Decreto-Lei 3.199/1941 delimitava que: 
 “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza (...)”.

A proibição não veio do nada. O Decreto refletia o espírito social da época, que já desfavorecia o esporte para as mulheres. Na edição de 26 de junho de 1940, o jornal O Dia publicou a opinião do Dr. Leite de Castro, Chefe do Departamento Médico da Liga de Futebol do Rio de Janeiro, tido como percursor do controle médico dos esportes no Brasil e notável autoridade em assuntos científico-esportivos. Dizia ele sobre o futebol feminino:

“Nada lhes aproveita e, pelo contrário, proporciona-lhe alterações nas funções circulatórios e renais, além de perturbações estáticas que o exercício físico violento pode determinar na esfera genital [...] Só pode ser aplaudido, como exibição grotesca ou teatral ao sabor da curiosidade popular.” Ele continua dizendo considerar a prática do futebol por mulheres “um espetáculo ridículo e digno de merecer atenções das nossas autoridades”. 

 A partir daí, o futebol feminino ficou relegado à marginalidade. Ou então aparecia como atração em jogos comemorativos, festas e até mesmo em circos. Ou seja, mulheres jogando futebol dividiam o palco com atrações “exóticas” como ursos vestindo tutu de balé. 


 Depois que a Lei foi revogada, somente em 1979, ainda se passaram anos até que a prática fosse regulamentada. A primeira Copa do Mundo feminina foi apenas em 1991. A primeira copa Masculina foi em 1930 e os grandes times brasileiros surgiram no início do século 20, ou seja, nessa corrida comparativa com os homens, as mulheres largaram com quase um século de desvantagem. O primeiro torneio nacional de futebol feminino, ainda experimental, só ocorreu em 1997. Para se ter uma ideia, times masculinos do Botafogo, Corinthians, Atlético Mineiro e Internacional já tinham cerca de 100 anos de história. 

 Ainda neste século, em 2001, a Federação Paulista de Futebol resolveu investir em um campeonato de mulheres. Um dos critérios para a escolha das jogadoras? A beleza. Mulheres não podiam ter cabelo raspado. O então presidente da FPF declarou: “Temos que mostrar uma nova roupagem no futebol feminino, que está reprimido por causa do machismo. Temos que tentar unir a imagem do futebol à feminilidade”. 

 Sissi, a maior jogadora da seleção à época, não participou da competição. Ela adotara a cabeça raspada como forma de homenagear um garoto com câncer que conhecera nos EUA.



 A primeira árbitra brasileira também passou por poucas e boas para conseguir exercer sua atividade: chegou a ser presa pelo menos 15 vezes, mesmo não havendo proibição legal quanto a arbitragem.

 Há quem argumente que, para ganhar atenção midiática e investimento, é preciso antes ganhar títulos. Mas não é o que ocorre. O time feminino do Santos, por exemplo, venceu a Copa Libertadores de 2009 e 2010 e ficou em 3º na de 2011, além de ter vencido o campeonato paulista. O que a direção fez? Um calendário com fotos “sensuais” das jogadoras. Depois disso, dissolveu o time. 

 E não foi apenas no Brasil que o futebol foi proibido ou teve restrições para mulheres. Países como Reino Unido, Bélgica, França, Iugoslávia, Alemanha e Paraguai também não permitiram que mulheres jogassem em algum momento. 

 Mesmo com a “aceitação” social que o futebol feminino teve nas últimas décadas, ainda hoje a própria imprensa contribui para emprestar um ar de excentricidade à modalidade, sem falar na erotização, afastando-a da esportividade. Se nos anos 1940 as manchetes iam de “O football mata a graça da mulher” e “Pé de mulher não foi feito para se meter em shooteiras”, uma manchete recente, depois de uma goleada da seleção feminina, estampou: “Meninas dão de quatro”.

 Essa recente campanha contrária ao futebol de mulheres, apesar de lamentável, não surpreende, pois é compatível com o atual espírito reacionário que tomou conta de boa parte da sociedade brasileira. Longe de ser apenas uma onda “conservadora”, que louva “valores tradicionais”, é um movimento retrógrado e pernicioso, de raiz autoritária, que remonta às piores décadas do século 20. 

 Referências: 1. “Léa Campos, a mineira que enfrentou proibição na ditadura para se tornar 1ª árbitra de futebol do Brasil”  https://www.bbc.com/portuguese/geral-60092018 

 2. “Futebol feminino: os pretextos usados para proibir prática no Brasil e no exterior” https://www.bbc.com/portuguese/articles/cw4gjkxlrdko 

 3. “Maior nome antes de Marta, Sissi carrega história de preconceito e pouco reconhecimento” https://ge.globo.com/futebol/copa-do-mundo-feminina/noticia/maior-nome-antes-de-marta-sissi-carrega-historia-de-preconceito-e-pouco-reconhecimento.ghtml 


 5. “Brasil já teve gênio antes de Marta. E a rejeitou por um cabelo raspado”

 6. MULHERES E FUTEBOL NO BRASIL: DESCONTINUIDADES, RESISTÊNCIAS E RESILIÊNCIAS https://www.scielo.br/j/mov/a/BL3dbSMQpV3KyFcsqhWyQVc/?lang=pt 

 7. AS SEREIAS DA VILA NA TERRA DO REI: UMA ETNOGRAFIA DE SANTOS FC FEMININO 


 8. Football Feminino entre festas esportivas, circos e campos suburbanos: uma história social do futebol praticado por mulheres da introdução à proibição (1915-1941)
  https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/28563 

 Abaixo, comentários retirados de redes sociais na última semana, marcando o começo da Copa do Mundo 2023:

















23 de outubro de 2022

Como teria sido se Bolsonaro tivesse vencido em 2018

Lembra de outubro de 2018? Alguns disseram que teríamos uma escolha muito difícil. Que difícil nada! Tínhamos de um lado um democrata professor, com experiência administrativa; e de outro um sujeito cujo herói era um torturador de mulheres grávidas e crianças, que achava que homossexuais deveriam ser surrados e que se referia a negros como animais. Foi por pouco, mas no final do dia 28 de outubro de 2018, pudemos respirar aliviados, ao ver que o tal milico com discurso e lema fascistas fora rejeitado nas urnas. Também, formou-se uma frente ampla para derrotar o projeto fascista. Ciro Gomes teve a humildade de deixar as diferenças de lado e subir no palanque declarando apoio. FHC e o eterno revanchista PSDB também se uniu à frente. O governo do professor não foi tranquilo, claro, veio a pandemia e outros desafios. Por pouco não tivemos um acidente nesse percurso recém-iniciado da democracia brasileira, mas conseguimos cortar o mal pela raiz antes que se alastrasse. Mas imagina só o que teria acontecido se o tal capitão tivesse sido eleito? Vou fazer um exercício de imaginação. Meio exagerado, confesso, mas não custa nada pensar naquilo de que nos livramos. Primeiro, o temor é que colocasse em prática seus planos nefastos, cercando-se de um ministério totalmente fisiológico e incapaz, por troca de favores partidários, embora afirmasse que teria um “ministério técnico”. No Ministério da Educação, teria, claro, um iletrado qualquer, que passaria o dia babando ódio nas redes sociais contra “a balbúrdia” dos universitários, contra o “kit gay” nas escolas e contra a “doutrinação comunista”. Como incompetente que seria, teria sido demitido e trocado por outro mais incompetente ainda, e depois por outro, e mais outro envolvido em corrupção. Teríamos grande risco de cortes na educação. No Ministério da Cultura, teríamos um ex-jogador de futebol, ou quem sabe uma ex-atriz de novela decadente, ou, pior ainda, um daqueles ex-atores de Malhação bem canastrões e que hoje em dia já tem idade para ser um Tiozão Reaça espalhador de fake news. No Ministério do Meio Ambiente, colocariam alguém da bancada do boi e da bala, pra passar a boiada das leis de flexibilização ambiental, perdoando os desmatadores, doando áreas indígenas para garimpos e promovendo uma guerra na Amazônia. Este outro também se envolveria em corrupção, mas o Procurador Geral da República seria um cupincha do presidente, e não daria em nada. O Paulo Guedes ele já havia anunciado como Ministro da Economia. Esse promoveria cada vez mais a reforma trabalhista como única opção para salvar o país, sacrificando os pobres, os assalariados e os aposentados. Descobririam algum escândalo seu, como dinheiro ilegal off-shore, sobre o qual suas políticas econômicas dariam privilégio, mas, de novo, não daria em nada e seguiria como homem forte do presidente. E o Moro nesse governo? Não participaria. Não teria tamanha cara de pau, pois se aceitasse ser Ministro da Justiça ou um cadeira do STF, ficaria muito claro que toda a perseguição que fez ao ex-presidente teve o único objetivo de tirá-lo da disputa, para eleger o milico. Falando em milico, alguém duvida que num hipotético governo Bolsonaro eles se proliferariam com fungos pelos mais diferentes ministérios, secretaria e departamentos governamentais, só para ganharem uma mamata? E a pandemia?! Gente, não quero nem imaginar como teria sido no governo de um negacionista da ciência. Imagina só, as pessoas começariam a morrer, lotando hospitais e ele fingiria que nada estava acontecendo, que tinha que parar com o mimimi, pra deixar de frescura, que isso era só uma gripezinha ou um resfriadinho. Seria obviamente contra a vacina e promoveria aglomerações sem máscara pelo país todo, ignorando o lockdown mundial. Num governo comandado por ele, poderíamos não ter o já monumental e triste número de 200 mil mortos por covid-19. Como não teria pressa de comprar vacina nem oxigênio, poderiam ter sido, sei lá, 300 mil, 400 mil, 600 mil, 688 mil mortos! Ainda bem que nunca saberemos o exato número. Tá, ok, nessa eu posso estar exagerando, pois, por mais negacionista e perverso que fosse, ele não iria sacrificar seu mandato e jogar na lama suas chances de reeleição; não teria sido tão irresponsável. Mas ainda bem que o Brasil não fez essa escolha e hoje podemos respirar aliviados, sabendo que tudo não passou de um susto. Mas que susto.

18 de junho de 2022

Cidadão pacato, voto sangrento

Você é um cidadão pacato, cumpridor dos seus deveres, obediente à lei, que se indigna com a corrupção e com tudo isso que está aí. Você está cansado das mentiras do governo, não confia mais em políticos; em nenhum deles. Então surge um sujeito que diz que (coincidência!) vai acabar justamente com a “corrupção e com tudo isso que está aí.” O sujeito parece remar contra a maré, é contra o politicamente correto, diz o que pensa, não está nem aí para o que os outros vão pensar. Por mais que o que ele pense seja um desrespeito a negros, homossexuais, mulheres e indígenas, você acha que são apenas palavras, e que palavras não matam ninguém. Ele diz ser defensor da família, e você se orgulha de ter um representante assim, pois concorda que não há nada mais sagrado do que a sua família. Pronto, você tem um candidato digno à presidência!
E então você olha para o lado e vê quem mais está com você nesse apoio, quem mais se sentiu atraído pelo seu discurso: neonazistas, assassinos de índios, desmatadores, sonegadores milionários, fazendeiros escravagistas. Olha para o outro lado, e nessa massa de fãs do seu candidato, há gente que que acredita que gays não são merecedores de direitos, que negros são menos humanos e que mulheres devem obediência aos homens. O discurso do candidato faz brilhar os olhos de quem torce para que adversários políticos sejam torturados, mesmo que sejam mulheres grávidas ou na frente dos seus filhos. Você vê de mãos dadas com o presidente uma turba de gente criminosa, cruel, violenta, tosca , perigosa e excludente. E o que você faz? Finalmente enxerga que, como um apaixonado, estava naturalmente cego aos defeitos do objeto de sua paixão? Toma consciência de que, se essa gente está fechada com esse sujeito, há obviamente algo de MUITO errado com ele, mesmo que você ainda não tenha dissipado sua simpatia por ele? Admite que errou no seu julgamento e volta à dura tarefa de procurar um substituto? Se dá conta de que o país que eles querem não pode ser o mesmo que você quer? Não. Apesar deles, você não hesita, e diante da urna, digita 1, depois 7, e então confirma no botão verde. Você pode contar as mentiras que quiser para se sentir melhor, mas saiba que você nunca votou “apesar” deles, você votou COM eles, ao lado deles, e não há álcool gel no mundo que vai limpar o sangue que hoje você tem nas mãos.

Literatura em tempos sombrios

(com exceção do 1º parágrafo, o texto a seguir é o discurso de agradecimento durante a premiação do 3º Prêmio Ufes de Literatura, que deu ao meu livro "Pessoas partidas" o primeiro lugar ma categoria Livro de Contos) Todos sabemos que quando a palavra crise começa a pipocar pelas páginas dos jornais o primeiro investimento a ser reduzido pelos órgãos governamentais é aquele conferido à cultura. Numa rápida busca no Google, descobrimos que em Caxias do Sul, por exemplo, foram cortados mais de 70% dos investimentos em cultura por parte da administração municipal. Em Porto Alegre, em nome da “contenção de despesas”, um tradicional programa que levava escritores às escolas foi extinto pelo novo prefeito, conhecido por ser um “empreendedor”. Na gloriosa cidade de São Paulo, que se orgulha de posar de exemplo para o resto do país, programas culturais e educacionais que atingiam mais de 4 mil alunos de escolas públicas também foram cancelados. Esses cortes atingem diretamente o mundo literário e editorial. No Espírito Santo, para dar mais por exemplo, o Prêmio UFES de Literatura se encontra interrompido por falta de recursos governamentais. E esse é apenas um exemplo de premiação literária que foi abandonada por falta de recursos. Esquecem-se os governantes que o que faz um país, o que dá a sua característica, seus traços mais marcantes, o que revela sua essência, não são índices econômicos, a cotação do dólar, ou, como gostam os economistas, o preço do Big Mac, mas, sim, as manifestações culturais de um povo. Como a sua literatura. Não é tarefa fácil promover livros e a literatura em um país de não leitores, como o Brasil. Pelo contrário, é preciso ter coragem, é preciso ter ousadia para ir contra a maré do comodismo e incentivar a produção literária nacional, mas isso, hoje, é cada vez mais raro. Os eventos literários e premiações pouco a pouco vão se extinguindo pelo país. Alguém poderia perguntar: “Por que, diante da crise política, econômica e ética atual, alguém celebraria futilidades, promovendo livros de ficção, histórias inventadas, que não passam de mentiras que alguém contou?”. Se poderia se questionar ainda: “Por que, num momento em que estamos lidando com supressão de direitos, com coerção de liberdade, com a violência institucionalizada pelo Estado, pessoas promoveriam e encorajariam a fuga da realidade?” E respondo: é justamente nesses tempos sombrios, que, tudo indica, teremos pela frente, que a literatura se faz mais necessária do que nunca. Àqueles que acham que a literatura é fútil, que não passa de fuga ou escape da realidade, respondo que, quando lemos um livro, um bom livro, não fugimos da vida, pelo contrário, mergulhamos profundamente nela. O livro não nos isola, não nos afasta do mundo, bem diferente disso, ele nos aproxima uns dos outros, nos permite visitar outros mundos, outras cabeças, nos permite penetrar em outras mentes, nos colocarmos no lugar do outro, nos amarrarmos ao universo fora de nós mesmos. A literatura promove, portanto, a conexão, não o isolamento, ela instiga a empatia, tão necessária nos dias de hoje. A literatura, ao contrário do que seus críticos poderiam imaginar, se é que lhes resta alguma imaginação, lança luz sobre o obscuro, e ilumina os caminhos ainda desconhecidos da natureza humana. Como diria o escritor americano Scott Fitzgerald, com a literatura, “você descobre que seus desejos são universais”. Para aqueles que acusam a ficção de não passar de invenção, de mentira, respondo que: é sob o disfarce da ficção que se pode dizer a verdade. Essas chamadas mentiras dos ficcionistas podem carregar muito mais verdade que muitos relatos factuais, e a imprensa brasileira atual está aí para provar o que digo. Encerro este texto com uma citação do escritor argentino Alberto Manguel. Diz ele: “Os livros podem não alterar nosso sofrimento, os livros podem não nos proteger do mal, os livros podem não nos dizer o que é bom e o que é belo, e certamente não têm como nos proteger do destino comum: o túmulo. Mas os livros nos abrem miríades de possibilidades, de mudança, de iluminação. Pode bem ser que nenhum livro, por mais bem escrito que seja, consiga remover um grama de dor da tragédia do Iraque ou de Ruanda, mas pode bem ser que não haja livro, por mais mal escrito que seja, que não contenha alguma epifania para algum leitor.”

17 de junho de 2022

Os melhores (e piores) livros de 2019

Como já é tradicional em todo início de ano, publico uma lista dos melhores (e, às vezes, dos piores) livros do ano anterior. Não é a lista de livros lançados naquele ano, mas das minhas leituras pessoais, portanto, a lista é totalmente subjetiva, anacrônica e atemporal. Em 2019, fiz poucas leituras (20 livros, totalizando 5.331 páginas, com média de 15 páginas lidas por dia), o que prejudicou a seleção, pela pequena amostra, e levou também a um paradoxo: alguns livros constam na lista de melhores ao mesmo tempo em que estão na lista dos piores. (Aqui as listas de 2018 2017)

Melhores livros de Ficção:

1º Lugar
4321
Autor: Paul Auster
Editora: Picador



O “Great American Novel” – ou “Grande Romance Americano” – é um tipo de livro que, por meio do foco em alguns personagens, traça um ou mais momentos históricos dos EUA, com a ambição de capturar o espírito americano, com suas falhas e suas virtudes. 4321 é a primeira tentativa de Paul Auster de escrever um Grande Romance Americano. O livro acompanha a infância e a juventude de Ferguson durante algumas décadas do século XX, em todas as suas quatro vidas diferentes. Não, não se trata de reencarnação ou viagem no tempo, é somente o recurso que o autor escolheu para abarcar todas as possibilidades históricas possíveis no período. Assim, acontecimentos fortuitos, como um incêndio, uma herança, uma separação, levam o protagonista, em cada uma de suas quatro versões, a caminhos de vida bastante diversos, mas sempre com a ambição de se tornar escritor. O livro ganha o primeiro lugar por ser um trabalho monumental, não apenas pelo volume (um calhamaço de 981 páginas) mas por toda a minuciosa pesquisa envolvida para resgatar os acontecimentos históricos que servem como pano de fundo para contar as desventuras de Archie Ferguson, protagonista da obra.

 

2º Lugar
Meu livro violeta
Autor: Ian McEwan
Editora: Companhia das Letras



A primeira parte de Meu livro violeta é um conto delicioso, com todas as marcas que consagraram Ian McEwan como um dos maiores escritores vivos do século: economia de linguagem e perfeito domínio da técnica, humor sutil, dilemas morais, crueldade humana. O conto narra uma sensacional história de rivalidade entre escritores.
Trecho do livro:
“Você terá ouvido falar de meu amigo Jocelyn Tarbet, um romancista que já foi célebre, mas cuja fama, assim suspeito, começou a declinar. O tempo pode ser cruel em matéria de reputação. Em sua lembrança ele provavelmente está associado a um escândalo e a um ultraje já quase esquecidos. Você não teria ouvido falar de mim, o então obscuro romancista Parker Sparrow, até o meu nome é ser publicamente vinculado ao dele. Para um grupelho de entendidos, nossos nomes continuam firmemente relacionados, como as duas extremidades de uma gangorra. Sua ascensão coincidiu com o meu declínio, embora sem tê-lo causado. Depois, sua queda foi acompanhada pelo meu triunfo na batalha de todos os dias. Não nego que houve desonestidade. Roubei uma vida e não tenciono devolvê-la. Você pode tratar as poucas páginas que se seguem como uma confissão.”

3º Lugar
Pssica
Autor: Edyr Augusto Proença
Editora: Boitempo
Pssica entra na lista por ser uma surpresa. O autor é um paraense desconhecido no Brasil e reverenciado na França, país onde não apenas teve todos os seus livros publicados como já ganhou um prêmio literário de melhor romance. Seus temas são a vida urbana e criminosa da região Norte do país e também de países como Guiana Francesa. Só acabei vindo a conhecer Pssica pela propaganda que Daniel Galera fez do livro, depois que escreveu a orelha. O retrato que Edyr faz do mundo do crime é tão explícito e cruel que chega a causar incômodo no leitor. A crueza com que Edyr detalha certas cenas deixa Rubem Fonseca parecendo uma menininha inocente.

Infelizmente, a capa é horrorosa


Trecho da orelha do livro:

“Uma narrativa que nem se dá ao trabalho de arrancar para depois acelerar. O velocímetro está no vermelho no instante em que a sentença de abertura nos informa: ‘Era para ser um dia normal’.  Desse horror acelerado ao máximo brota uma estranha poesia. Isso ocorre, talvez, porque o motor do texto é silencioso e eficiente. Os personagens nunca deixam de ter uma desejável ambiguidade. Vítimas e bandidos se confundem à medida que suas paixões, sofrimentos e crueldades convergem para uma série de acertos de contas, desencontros, fins abruptos. Mesmo nos picos de maldade, seus destinos evocam tristeza, quando não uma incômoda empatia.”

Piores livros de Ficção:

1º Lugar
O cavaleiro preso na armadura
Autor: Robert Fisher
Editora: Record

Não se sabe bem por que certos livros ganham tanta repercussão.  O cavaleiro preso na armadura é uma fábula simplória de autoajuda, que talvez interesse a pessoas muito jovens de pouca leitura ou a pessoas de pouca leitura em geral. O problema é que é dirigido a adultos. Enfim, em termos de livro de ficção, tem a pior característica que um livro de ficção pode ter: lição de moral.

2º Lugar
Meu livro violeta
Autor: Ian McEwan
Editora: Companhia das Letras

Meu livro violeta entrou na lista dos melhores e também dos piores. O livro é composto de duas partes: um conto e um libreto de ópera. O conto é ótimo, e por conta dele o livro entrou na lista de melhores livros de ficção. Já a segunda parte é enfadonha ao extremo. Talvez até funcione como texto de ópera, mas como leitura isolada é de uma chatice monumental.

3º Lugar
4321
Autor: Paul Auster
Editora: Picador

Em 4321, Paul Auster se afasta do seu estilo tradicional, direto, objetivo, preciso e fluido, para tentar abarcar o mundo (ou pelo menos um pedaço dele). A proposta é louvável, visto que envolveu um gigantesco trabalho de pesquisa histórica, mas o resultado deixa muito a desejar, por um único motivo: é chatíssimo. Primeiro, porque fica claro, muitas vezes, que o protagonista, o jovem Archie Ferguson, só serve como marionete do autor para que os acontecimentos históricos (principalmente da conturbada década de 1960) ganhem relevância no livro, alguns fatos são narrados com excesso de detalhes, como uma espécie de Wikipedia obstruindo a leitura da ficção. Por focar nos momentos históricos, muitos deles já exaustivamente explorados em livros e filmes (por exemplo, Guerra do Vietnam e morte de JFK), o personagem principal fica escanteado em matéria de construção mais elaborada, e Archie não passa de um personagem morno e quase irrelevante, não chegando a despertar a menor empatia por parte do leitor.

Não apenas a linguagem é cansativa, tornando a leitura lenta e modorrenta, como a história é difícil de acompanhar. Cada capítulo traz uma versão diferente da vida de Archie, quase sempre com personagens que se repetem (como mãe, pai, tias, amigos etc.); só que os capítulos são longos, portanto cada história só é retomada depois de quase 200 páginas lidas, e aí o leitor que se vire para lembrar onde aquela história específica havia parado, já que há similaridades em todas elas. Outro defeito, que torna passagens de várias páginas insuportáveis, são as recorrentes menções de partidas de beisebol.  A emoção e a aura heroica que Auster se esforça em emprestar a esse esporte (confuso para quem não é americano) são inexistentes e se perdem no meio de descrições de detalhes inúteis e passagens interminavelmente longas.  O crime de Paul Auster é ter feito de 4321 um livro deliberadamente tedioso. Há, sim, momentos bons, como as histórias dentro da história, o que já é marca registrada de Paul Auster, não por coincidência, os melhores momentos acontecem quando somos retirados na narrativa sobre o protagonista. Mas o final do livro é pra deixar o leitor com vergonha alheia. O experiente Auster se vale de um recurso de escritor jovem e iniciante, ávido para mostrar domínio dos recursos narrativos: no fim o 4321 que lemos até o final não passa de um livro que o personagem está escrevendo, com várias versões da vida dele, o truque fácil da metaficção. Pior que isso só o frustrante “e no fim foi tudo um sonho do narrador”.

 

Melhores livros de Não Ficção:

1º Lugar
Brazillionaires: Wealth, Power, Decadence, and Hope in an American Country 
Autor: Alex Cuadros.
Editora: Spiegel & Grau

Não é surpreendente que o melhor e mais completo livro sobre a história recente da vida política brasileira tenha sido escrito por um estrangeiro. Sem as costumeiras amarras da autocensura, do rabo preso e dos compromissos ideológicos dos veículos da grande mídia brasileiros, o americano Alex Cuadros pôde fazer jornalismo da mais alta qualidade em Brazillionaires (um trocadilho próximo de “brasilionários”). O livro mira nos super-ricos brasileiros, no melhor estilo “Quem são? De onde vieram? Do que se alimentam?”, e acaba alvejando a história política do Brasil recente, inclusive dos últimos anos de ditadura. O pretexto da sua investigação é traçar o perfil de alguns milionários e de suas fortunas como Eike Batista (talvez o personagem principal da reportagem), Abílio Diniz, Edir Macedo, Paulo Maluf, Lehman, Roberto Marinho e outros. Mas o livro de Alex Cuadros vai muito além disso, mostrando a inextricável ligação entre as grandes fortunas do País com os governos de todos as esferas, principalmente a federal. O capítulo em que discorre sobre o crescimento das principais empreiteiras do país, como Odebrecht e Camargo & Correa explica muito o Brasil de hoje, pois traça os caminhos tortuosos que trilhamos para chegar até aqui. Em diversos momentos você se pergunta: “Por que nenhum jornalista brasileiro falou disso antes?!”. No livro você encontra centenas de dados, narrativas de fatos históricos, entrevistas com as pessoas mais influentes do Brasil, mas isso tudo em linguagem escorreita e fluida. Pena que nenhuma editora brasileira tenha dito a coragem de publicar o livro justamente onde ele mais importa ser publicado. Brazillionaires é um mergulho corajoso no espírito lamacento da política brasileira, que, você vai ver no livro, também é um reflexo fiel do seu povo.

2º Lugar
Homo Deus
Autor: Yuval Noah Harari.
Editora: Companhia das Letras.

Depois do excelente Sapiens – Uma breve história da humanidade, Yuval Harari vem com Homo Deus – Uma breve história do amanhã. Se no primeiro o historiador israelense analisava toda a história da civilização até aqui, neste segundo ele projeta o futuro da humanidade. Com uma linguagem fluida e acessível, ele traz História, Economia, Filosofia, Política, Religião e Tecnologia passando por Woody Allen, Karl Marx, Madonna, Adolf Hitler, Justin Bieber e Charles Darwin.



Trecho:
Hoje podemos usar um arsenal de métodos científicos para determinar quem compôs a Bíblia e quando. Cientistas vêm fazendo isso há mais de um século, e, se tiver interesse, você poderá ler livros inteiros sobre as descobertas feitas. Para encurtar uma longa história, a maioria dos estudos científicos revisados por cientistas concorda que a Bíblia é uma coleção de numerosos textos diferentes escritos por autores humanos em séculos subsequentes aos eventos que se propõem descrever e que esses textos só foram reunidos num livro sagrado muito depois dos tempos bíblicos. Por exemplo, apesar de o rei Davi ter vivido por volta de 1.000 a.C., aceita-se que o livro do Deuteronômio foi composto na corte do rei Josias, de Judá, por volta de 620 a.C., como parte da campanha de propaganda destinada a fortalecer a autoridade de Josias. O Levítico foi compilado ainda mais tarde, não antes de 500 a.C.

3º Lugar
Do que eu falo quando falo de corrida
Autor: Haruki Murakami.
Editora: Alfaguara.

Numa das suas raras incursões pela não ficção, o Haruki Kurakami não abandona a originalidade característica da sua escrita. No seu trabalho mais autobiográfico, o romancista japonês traça um paralelo entre sua rotina de escritor e seus hábitos de corrida, mostrando que ambas atividades estão inextricavelmente interligadas. A disciplina, a energia e a entrega são praticamente as mesmas. O autor conta toda sua trajetória de como passou de um proprietário de pequeno bar de jazz para o mais popular escritor do Japão.

Haruki Murakami correndo


Trecho:
Os corredores mais comuns são motivados por um objetivo individual, mais do que qualquer outra coisa: a saber, um tempo que desejam bater. Assim que consegue bater esse tempo, um corredor vai sentir ter atingido o objetivo a que se propôs, e se não conseguir, sentirá que não o fez. Mesmo que não consiga fazer o tempo que esperava, contanto que tenha o sentimento de satisfação de ter feito seu melhor — e, possivelmente, ter feito alguma descoberta significativa sobre si mesmo no processo —, então isso é uma realização em si, um sentimento positivo que ele pode levar consigo para a corrida seguinte.

O mesmo pode ser dito a respeito de minha profissão. Na ocupação de romancista, até onde sei, não existe isso de vencer ou perder. Talvez o número de exemplares vendidos, prêmios recebidos e elogios da crítica sirvam como parâmetros externos para a realização literária, mas nenhum deles importa de fato. O crucial é que o que você escreve atinja os padrões que estabeleceu para si mesmo. O fracasso em atingir essa marca não é algo cuja explicação você possa fornecer facilmente. Quando se trata das outras pessoas, sempre é possível aparecer com uma justificativa razoável, mas não dá para tapear a si mesmo. Nesse sentido, escrever romances e correr maratonas inteiras são atividades muito semelhantes. Basicamente, o escritor tem uma motivação silenciosa, interior, e não busca validação em coisas que sejam visíveis externamente.

 

10 de março de 2020

Oficina Autógrafos para iniciantes – teoria e prática


Com o know-how que acumulei com as turnês de autógrafos dos meus livros Pessoas partidas, Frases Ouvidas Por Aí e, principalmente, do Magrafo, resolvi criar uma oficina para ajudar os autores iniciantes naquela que pode ser a mais complicada e angustiante obrigação imposta ao escritor: a sessão de autógrafos.

Oficina Autógrafos para iniciantes – teoria e prática
1.        História do autógrafo
1.1 Polêmica: quem deu o primeiro autógrafo?
2.       Prevenindo Lesão por Esforço Repetitivo: Fisioterapia para mãos, pulso e dedos.
3.       Vinho ou champagne: o que servir no coquetel de lançamento?
4.       Materiais: melhores canetas
4.1   Cor de tinta da caneta
5.       3, 5, 7 ou 9: em qual página autografar?
6.       Selfie com o leitor, sim ou não?
7.      Elementos do autógrafo
7.1   Nome do leitor
7.2   Dedicatória
7.2.1         Dedicatória séria tradicional
7.2.2         Dedicatória com piada
7.2.3         Dedicatória com elemento pessoal
7.2.4         Dedicatória com citação do próprio livro
7.3   Assinatura
7.3.1 Se usar minha assinatura verdadeira corro risco de ser fraudado em documentos falsos?
7.4   Local e data
8.       Antecipando imprevistos
8.1   Nomes complicados
8.2   Esqueci nome de um conhecido, e agora?
8.3   Autor de livro de poesia autopublicado quer trocar livros, como expulsá-lo da sessão de autógrafos sem chamar a atenção do público?
8.4   Um amigo apareceu furioso por ter sido retratado no livro como uma pessoa vil e repugnante e não dá para dizer que é delírio dele pois você nem se deu ao trabalho de trocar o nome.
8.5   Uma ex apareceu furiosa por você ter retratado detalhes da sua vida íntima na protagonista do último livro.
8.5.1         Medida protetiva: passo a passo.
8.5.2         Melhores modelos de colete à prova de balas.
8.5.3         Na delegacia: a sessão de autógrafos não pode parar.
8.6   Não apareceu ninguém, e agora?



22 de outubro de 2019

A verdadeira história por trás do filme "Antes do Amanhecer"

(Este artigo contém spoilers dos filmes Antes do amanhecer e Antes do pôr do sol.)
Pouca gente sabe que a chamada “Trilogia do Antes”, composta pelos filmes “Antes do amanhecer”, “Antes do pôr do sol” e “Antes da meia-noite”, tem origem em uma história real acontecida com o diretor da trilogia, Richard Linklater. É uma história com todos os elementos de uma boa ficção. Mas antes de chegarmos a ela, façamos uma breve recapitulação dos dois primeiros filmes.
No primeiro, “Antes do amanhecer” (1995), Jesse (Ethan Hawke), um jovem viajante americano, e Celine (Julie Delpy), uma universitária francesa, se conhecem em uma viagem de trem pela Europa. Desembarcam juntos em Viena, e acabam passando a noite inteira caminhando e conversando sobre a vida, o universo e tudo o mais. Ele vai pegar o avião de volta para os EUA pela manhã, e antes de se despedirem, não trocam endereços nem telefones, mas marcam um encontro para dali a seis meses no mesmo lugar. E o filme termina assim. Só nove anos depois, quando foi lançado o segundo filme, em 2004, saberemos o que aconteceu: ele compareceu ao encontro, mas ela não, e nunca mais se falaram.

Julie Delpy e Ethan Hawke

Em “Antes do pôr do sol” (2004), todo filmado em Paris, Jesse é um escritor de relativo sucesso, e está sendo entrevistado sobre seu mais recente livro na livraria Shakespeare & Co. O livro, como viemos a saber, conta tudo sobre a noite de 9 anos antes. Foi a forma que ele encontrou para reencontrar Celine. E dá certo, pois ela comparece ao lançamento do livro. Novamente, passam o filme caminhando e conversando, e dessa vez ele perde o voo propositalmente para ficar com ela.
São filmes que, como poucos, quase despretensiosamente, mostram o processo de apaixonamento, de crescimento como adultos, de transformação pessoal, de conexão, de nostalgia, de momentos que só acontecem uma vez na vida, de despedidas, de aproximação, de memória, das coisas e pessoas que passam e que importam; e do impacto que algumas pessoas podem ter nas nossas vidas. E mostra tudo isso em apenas uma noite (Antes do amanhecer) e uma tarde (Antes do pôr do sol).
E agora vamos à história real por trás dos filmes.
Em 1989, Richard Linklater, ainda era um nome desconhecido no mundo do cinema, diretor iniciante, só havia dirigido um obscuro longa, ainda longe de se tonar o diretor de duas dezenas de filmes e de ganhar os Oscars de melhor filme, roteiro e diretor. Foi nesse ano que, a caminho para Nova Iorque, parou por um dia na Philadelphia, onde ele conheceu uma moça chamada Amy Lehrhaupt. Encontraram-se por acaso em uma loja de brinquedos e marcaram um encontro para mais tarde. Acabaram, exatamente como no primeiro filme, caminhando e conversando da meia-noite às seis da manhã. Amy era cheia de vida, inteligente, e a atração foi imediata. Falaram sobre vida, arte, ciência, filmes. Segundo Linklater, ele pensava o tempo todo que aquilo poderia virar um filme, e disse isso a ela:
– Ainda vou fazer um filme sobre isso.
E ela:
– Isso o quê? Do que está falando?
E ele:
– Sobre isso. Essa sensação. O que está acontecendo entre a gente agora.
Ao contrário do filme, trocaram telefones antes de se despedirem, mas a relação a distância não vingou, e acabaram perdendo contato. Aquela noite, porém, nunca foi esquecida, e cinco anos depois ele começou a filmar “Antes do amanhecer”, retratando a noite vivida por ele e Amy. Ele esperava que, com o lançamento do filme, ela fosse reconhecer a história e ressurgir em sua vida de alguma maneira. Mas ela não apareceu. Freud disse que os sonhos podem ser realizações de desejos inconscientes. Linklater transformou seu desejo em filmes.
Nove anos depois, ele retratou o seu próprio desejo no personagem Jesse, que escreveu um livro para reencontrar a jovem que havia conhecido anos antes. Agora, 2004, Linklater já era um diretor conhecido, e seu filme “Antes do pôr do sol” teve uma distribuição comercial muito maior, era impossível que Amy o ignorasse. Esperava que ela surgisse no lançamento do filme. Para sua decepção, novamente ela não compareceu nem procurou entrar em contato com ele.
Quando foi promover o terceiro  filme, “Antes da meia-noite”, em 2013, nove anos depois, Richard tornou a história pública, e um velho amigo de Amy Lehrhaupt escreveu uma carta para ele explicando o motivo por trás da continuada ausência da garota: em 1994, poucas semanas antes de ele começar a filmar a obra sobre ela, Amy estava em uma festa e pegou uma carona de moto para casa. Só que nunca chegou em casa. Era uma noite chuvosa, e ao passar pela ponte do Brooklyn, o piloto perdeu o controle da moto e Amy foi lançada na pista. Morreu aos 24 anos. Todo esse tempo, ela não havia ignorado os seus filmes, pois simplesmente não estava mais lá. E jamais soube que aquele rapaz com quem passou conversando uma noite haveria de dirigir e escrever dois filmes baseados naquele encontro. Richard Linklater perdeu um amor, e o mundo ganhou sua arte.

Amy Lehrhaupt

Se você ficar até o fim dos créditos finais de “Antes da meia-noite”, verá que o filme é dedicado à memória de Amy Lehrhaupt.
(Publicado originalmente na Revista Entrementes)

7 de agosto de 2019

Análise da obra feicebuquiana de Carin Brunes

Recuperando essa pérola da Literatura feicebuquiana, aqui com comentários explicativos sobre a lendária obra de Carin Brunes, a Clarice Lispector dos Pampas, o Guimarães Rosa de bombacha e alpargata, o James Joyce sem bigode.
>
"Hoje vo desidir a minha vida sopresa a todos nao aguento mais esta vida Onde e o isgritorio da AES Sul Hoje so tenho a gradeser por te dado tudo bem nos isame agradeso a jesus em primeiro lugar obrigado nao tenho palavras jesus e poderoso so ele cura salva e muito mais e so ter fé agreditar que ele pode todas as coisas jesus epoderoso orei pedi jechuei glamie e resebi to pronta pra trabalhar em nome de jesus Hoje voi um dia orivel ai jesus me a juda nao quero que vem outros dias deste nao sei se vo aguentar nao sou forte osuvisiente Tenho vé e greio que jesus me curou medico so mideu 5 anos de vida so jesus sabe todas as coisa hoje to aqui solita nao jesus ta qui o resto deija pra la so ele sabe o que to pasando nao tenho uma se que pesoa pra desabava"
...
"Valar e fasel mais ajudar nao vao cuidar do rabo de voçes o tropas de fa..... So que desta ves vao pagar junto levo nem se vor algo que mais amam nao to nem ai nao tem pena de me rala r vo ralar voçes pro reto da vida tao ovindo nao se esquese que um dia poderao tar nesta tambem e ai"
>
Notas de Diego Lops:
É preciso ser um leitor atento para captar todas as sutilezas do texto da revolucionária literata Carin Brunes.
Vou examinar apenas alguns trechos do seu texto para que entendam melhor sua importância.

1-“nao aguento mais esta vida Onde e o isgritorio” 

Aqui a autora, em apenas uma palavra, resume todo o horror da prisão que é a vida burocrática. Observe a genial criação do neologismo “isgritorio”, ao mesmo tempo um local de trabalho (escritório) e um local onde gritos de desespero são abafados pela opressão dos chefes e, principalmente pelo trabalho sem sentido e maçante, inimigo do seu espírito livre.

2-“Tenho vé e greio que jesus me curou”

Aqui ela substitui os fonemas [f] e [k] – consoantes desvozeadas - pelo seus correspondentes vozeados [v] e [g] para mimetizar a voz de alguém gripado, ao mesmo tempo em que fala de cura. Aqui Brunes se vale do seu conhecimento fonético para destilar sua fina ironia contra a religião organizada.

3- "vo ralar voçes pro reto da vida”

Mais um de seus geniais trocadilhos. Resto – reto. Aqui ela cria essa forte imagem poética que já é um clássico: O intestino da vida.

4- "Valar e fasel mais ajudar nao vao cuidar do rabo de voçes“

Mais um trocadilho que facilmente escapa ao leitor de pouca erudição. Faz um jogo intertextual transformando os verbos “falar” e “fazer”, respectivamente em “Valar” e “Fasel”. “Valar”, na língua élfica da obra do escritor Tolkien, como se sabe, significa “Poderes do mundo”, e “Fasel” certamente é uma referência a Oscar Adolf Fasel, autor de “O pensamento de Unamuno e a Filosofia Alemã.”
Como podem ver, a riqueza de referências em sua obra é infindável.
.
(Créditos da magnífica descoberta a Nazareth Ag Ha)

12 de julho de 2019

Bolão da Morte - 2019

É com muito orgulho que o Só Mais Um Blog este ano hospeda a XXVIII edição do famigerado Bolão da Morte. Para quem não sabe (os que já sabem podem pular as próximas 6 linhas), o Bolão da Morte é um jogo de apostas que consiste em tentar prever quem, de uma lista de 100 nomes, morrerá até o final do ano. Os nomes são de políticos, celebridades, escritores, esportistas e outros famosos.
Cada apostador pode escolher no máximo 20 nomes. As apostas podem ser feitas a qualquer momento do ano, mas serão encerradas imediatamente no dia em que morrer alguém da lista. Para valer, as apostas devem ser postadas nos comentários deste post.

Vamos aos nomes do Bolão da Morte 2019!
1-      Woody Allen
2-      Luis Fernando Verissimo
3-      Papa Francisco
4-      Jair Bolsonaro
5-      Sergio Moro
6-      Lula
7-      Jack Nicholson
8-      Tom Cruise
9-      Madonna
10-   Paul Auster
11-   Barack Obama
12-   Bill Clinton
13-   Tarcísio Meira
14-   Tom Waits
15-   Caetano Veloso
16-   Chico Buarque
17-   Gilberto Gil
18-   Sean Penn
19-   Michael Douglas
20-   Kirk Douglas
21-   Vanessa Redgrave
22-   Jim Carrey
23-   Casagrande
24-   Galvão Bueno
25-   FHC
26-   Vladimir Putin
27-   Nelson Piquet
28-   Emerson Fittipaldi
29-   Willy Nelson
30-   Pelé
31-   Rainha Elizabeth
32-   Elton John
33-   Tom Hanks
34-   Keith Richards
35-   Mick Jagger
36-   Silvio Santos
37-   Michel Temer
38-   Gilberto Alckmin
39-   Agnaldo Timóteo
40-   Bill Cosby
41-   Al Pacino
42-   Fernanda Montenegro
43-   Christopher Walken
44-   Julio Iglesias
45-   Mike Tyson
46-   OJ Simpson
47-   Bill Murray
48-   Moreira Franco
49-   Robert De Niro
50-   Meryl Streep
51-   David Letterman
52-   Roger Waters
53-   Sylvester Stallone
54-   William Bonner
55-   Liza Minelli
56-   Francis Ford Coppola
57-   José Sarney
58-   Tony Ramos
59-   Renato Aragão
60-   Olavo de Carvalho
61-   Jerry Seinfeld
62-   Gloria Menezes
63-   Milton Nascimento
64-   Julie Andrews
65-   Tony Bennett
66-   Demi Lovato
67-   Paul McCartney
68-   Ringo Starr
69-   Eric Clapton
70-   Bruce Springsteen
71-   Bob Dylan
72-   Ian McEwan
73-   Liam Neeson
74-   Jerry Lee Lewis
75-   Dolly Parton
76-   Cher
77-   Julian Assange
78-   Donald Trump
79-   Christopher Plummer
80-   Maggie Smith
81-   Robert Redford
82-   Quentin Tarantino
83-   Martin Scorsese
84-   Michael Caine
85-   Mino Carta
86-   Glenn Close
87-   Sean Connery
88-   Michael Schumacher
89-   Alan Arkin
90-   Russel Crowe
91-   Judi Dench
92-   Morgan Freeman
93-   Clint Eastwood
94-   Emma Thompson
95-   Ozzy Osborne
96-   Helen Mirren
97-   Lindsay Lohan
98-   Eduardo Suplicy
99-   Paulo Maluf
100-                      Zé Celso Martinez



Colaboradores